Liberdade - Penúltimo Capítulo da Obra "Por Amor e Fé, Os Dias em Auschwitz
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HISTÓRIA COM FICÇÃO
Jamila Mafra
10/12/20253 min read


Os nazistas tinham prazer em nos torturar psicologicamente, tentavam fazer com que desistíssemos de nossa fé, debochando de nossas crenças, escarnecendo da existência de Deus. Eles sabiam que o Vagner era meu noivo, sabiam de toda a nossa vida.
Naquele dia nos chamaram na sala de interrogatórios. Vagner e eu entramos naquele local sombrio, onde um dos comandantes do campo de Auschwitz já nos esperava.
Vagner e eu nos sentamos lado a lado. Apenas nos olhamos. Ele estava muito mal fisicamente, pior do que eu, abatido, magro, pálido, parecia muito doente. Quando me viu ele sorriu quase sem forças, carregando claramente a tristeza em sua alma, tristeza que eu também sentia.
O comandante colocou os formulários sobre a mesa, diante de nós, e a caneta estava sobre o papel.
— Aproveitem essa segunda chance. Assinem essa declaração e sejam livres para se casarem e viverem plenamente felizes — ele nos disse, encarando-nos com olhar fulminante.
Vagner me olhou de modo profundo. Naquele mesmo instante me recusei a assinar aquele documento.
— Eu não assinarei essa declaração. Não posso negar minha fé. Não posso mentir — eu disse com voz firme, apesar de estar fraca.
O comandante não gostou da minha atitude de recusar a assinar o documento que poderia me dar a liberdade. Bradou:
— Vocês fanáticos religiosos são ridículos, preferem sofrer e morrer por um Deus invisível que não se manifesta! O Terceiro Reich fez muito mais por vocês do que esse Deus fantasma. Não seja estúpida, mulher! Assine logo esse documento! Apenas uma assinatura e estará livre pra se casar com seu grande amor.
Até aquele momento meu noivo ainda não havia se manifestado. O formulário estava ali diante dele. Vagner estendeu as mãos e meu coração acelerou. Vagner estava mal e talvez não suportasse mais sua situação no campo. Talvez assinasse logo o documento para se ver livre daquela tortura. Confesso que se ele fizesse isso, eu não o condenaria jamais.
A figura que eu via diante de mim era de um homem debilitado, desnutrido, traumatizado devido aos maus tratos, portanto, se o Vagner assinasse, eu o entenderia, eu o perdoaria. Ele era o homem que eu tanto amava. As lágrimas da compaixão correram pelo meu rosto. Minha tortura era aquela: ver o meu homem amado padecendo aos poucos.
Senti muita pena dele. Perdemos a chance de nos casarmos, perdemos nossa juventude, perdemos os bons momentos. Talvez eu estivesse arrependida por não ter me casado com ele antes da nossa prisão. Teriam sido poucos, mas felizes dias como marido e mulher.
Vagner pegou a caneta com mãos trêmulas. Chorei ainda mais. Foi horrível ver o homem da minha vida naquela situação.
De repente, ele atirou para longe aquela caneta e disse com a voz também fraca:
— Se o preço da minha liberdade é negar o Deus a quem eu sirvo e abandonar a minha fé, então eu prefiro não ser livre. Ainda que eu tenha que morrer, não abandonarei minhas crenças. Não são apenas crenças, são certezas. Eu não assinarei esse documento.
Mesmo com o coração doendo, eu olhei para o Vagner, sorri e lhe disse:
— Isso, meu amor. Esse é o correto. Eu te amo.
— Eu também amo você, Mia. — Ele tocou rapidamente a minha mão.
O comandante deu um soco na mesa. Gritou furioso:
— Pelo seu fanatismo perdem suas vidas! Por uma fantasia! Aceitem Hitler como salvador!
Nossos olhos arregalaram de susto, mas nossos corações permaneceram tranquilos. Fizemos o que era certo. Os olhos do comandante irradiavam ódio.
— Não é uma fantasia! Eu sei que Ele existe. Algo aqui dentro da minha mente e do meu coração confirma isso. O nosso único salvador é Jesus Cristo — eu declarei em tom de voz firme.
— Basta de tanta rebeldia! Vocês vão voltar agora para a prisão e ficarão lá amontoados junto aos outros traidores da pátria alemã! — o comandante exclamou aos gritos.
Vagner e eu nos despedimos com um olhar e um sorriso triste. Aquele foi o último olhar que tive dele, que adoeceu ainda mais e veio a falecer alguns dias depois. Meu consolo foi o fato de que ele havia partido deste mundo fiel às nossas crenças e convicções.
Eu chorei muito pela partida do meu amado Vagner, verti as lágrimas da dor como no momento em que perdi meus irmãos. Eu amava demais aquele que um dia havia sido meu namorado e noivo. Repito isso porque, na verdade, ainda o amo. O sentimento verdadeiro é uma marca eterna que jamais se apaga do coração
Mesmo diante de tanta aflição, sigo com a certeza de que ainda nos reencontraremos em um mundo novo, transformado, sem dores, sem mágoas, sem morte, sem ódio. Aqueles tempos de prisão, embora dolorosos, fortaleceram a minha fé.
